Tem aranha, rã e até tubarão na ciranda, tem cinco ou mais sentidos, música eletrônica e cultura popular, praia e chuva, rap e repente, onomatopéia e trava-línguas, amigos e família, passado e futuro, um bocado de amor e muitos acordes de esperança: o disco novo da percussionista e arte-educadora Lulu Araújo está prestes a ser lançado nas plataformas digitais, estreando uma nova fase em sua trajetória musical. Segundo álbum de sua carreira, “Lululoops” transcende o repertório estético e cativo da cantora, conjugando as 10 faixas no tempo da saudade de caminhos musicais que ela jamais havia percorrido.
O disco, incentivado pelo Funcultura, mistura bases eletrônicas com música regional, Tom Zé com ciranda, letras autorais e afetivas com o cancioneiro popular do Congo, para celebrar todos os caminhos que dão no coração do público infantil, audiência tão cativa quanto seletiva, garante Lulu.
“Esse disco me devolveu a possibilidade de viver referências eletrônicas que neguei, por causa da geografia da minha formação musical. Fui criada no Sertão, não me identificava com nada que não soasse nordestino”, afirma Lulu, que já tocou com grandes mestres, como Naná Vasconcelos e Alceu Valença e, desde 2006, tem como foco as crianças, com quem atua também em sala de aula.
Quem abraçou a ousadia de Lulu e a conduziu por esse novo caminho foi o produtor e diretor musical do disco, Missionário José, doutor em Música pela USP, professor e integrante do grupo Mombojó. “Ter Zé como parceiro foi fundamental para poder implementar as mudanças que tanto quis”, conta Lulu. Ela explica que foi o produtor quem conspirou, com diversos parceiros, as bases eletrônicas que definiram os rumos do disco, pautando, inclusive, a identidade visual do projeto. A arte gráfica do álbum, assinada por Dani Hasse, traduz essa mistura de pop com cultura popular, instigando e convidando o público à interação com a obra.
Parcerias e participações
Para trazer ao álbum um efeito de mosaico, apresentando uma sonoridade diferente a cada música, o projeto conta com parceiros de várias escolas e diferentes estilos musicais. Participam do disco desde Marley no Beat, um dos responsáveis pelo sucesso do Brega Funk no país, até as bandas pernambucanas Diversitrônica e Estesia, com direito ao luxuoso vocal de Carlos Filho na faixa “Salva a Humanidade”, além dos músicos e produtores Ricardo Fraga, Pedro Itan e do renomado produtor Kassin. Gilú Amaral assina todas as percussões e arranjos percussivos.
“No fundo, acho que a identidade desse disco é a identidade de Lulu enquanto artista, que está buscando novos caminhos e sonoridades. Cunhamos até uma classificação de gênero para ele: ‘Björk Família Pancadão’”, brinca Missionário José, que, nesta rara incursão pelo universo infantil, escolheu a dedo cada parceiro que se encaixava na estética que ele e Lulu sonharam e soaram juntos. “O disco conta ainda com Leo D na mixagem, teclados e sintetizadores. E eu aproveitei a oportunidade de estarmos trabalhando com o Kassin pra realizar um sonho: gravar Pedal Steel com Rick Ferreira”, acrescenta José.
Repertório – Outra participação que Lulu faz questão de exaltar é a de Fernanda, filha única da cantora, que compôs e canta com ela a faixa “ Um Dia Perfeito”. Foi Fernanda, aliás, quem inventou o nome do disco, dando o empurrão que faltava para Lulu explorar novas rotas musicais, para além da Fada Magrinha. “Quando comecei a sonhar com esse disco, lembrei de Naná Vasconcelos e de suas referências eletrônicas desconstruídas em sonoridades orgânicas. Enxerguei nesse loop um caminho pra mim também”, conta Lulu, que destaca outra trilha afetiva do disco: a música “Sentidos”, que compôs com Mariana D’Oliveira, amiga farol, que ilumina seus caminhos “desde sempre”.
Já “Lululoops”, música de trabalho do álbum, ela explica que surgiu no trânsito, enquanto brincava de cantar para os males espantar. “A música saiu de vez, como se já tivesse pronta em algum lugar. Apresentei pra Zé, que, de cara, disse que rendia um brega funk massa.” Para “Rappy”, Lulu contou com duas lapas de reforços na composição e interpretação, dando as mãos a Mariane Bigio e Claudia Soul para celebrar a infância. Outra participação especial é a de Chinaina, na faixa “Trava língua”, que propõe uma versão contemporânea e ousada para as tradicionais pelejas fonéticas da língua portuguesa.
Para além do autoral, o disco segue num passeio comprido, de Pernambuco à África, honrando nomes como Naná, Moreno Veloso e Tom Zé, celebrados nas músicas “Forró do Antero”, “How Beautiful” e “Salva a Humanidade”, respectivamente. Tem até “Tubarão” no repertório. A música de Alessandra Leão ganhou uma versão que mergulha nas águas profundas das sonoridades pernambucanas, misturando ciranda, coco e brega. Para espalhar acordes ainda mais ancestrais, Lulu escolheu a música “Banaha”, domínio público do Congo, para gravar acompanhada por um coro infantil, que canta – e encanta – a esperança.
Diante de uma enxurrada de textos e textões a pautar, validar ou cancelar nossas existências, o “Lululoops”, define a artista, ousa ser mais meio que mensagem, convidando aos timbres, ao ritmo e à dança. “O disco oferece o loop como mantra. Pra gente tirar o foco da mente e colocar nos pés. É um convite para dançar.” E é irrecusável.